Resumindo
a Liturgia deste dia (Cfr Site Dehonianos).
Com a chegada
de Jesus a Jerusalém e os acontecimentos da semana santa, chegamos ao fim do “caminho” começado na Galileia. Tudo converge, no Evangelho de Lucas,
para aqui, para Jerusalém: é
alí que deve irromper a salvação de Deus. Em Jerusalém, Jesus vai realizar o último acto do programa enunciado em Nazaré:
da sua entrega, do seu amor afirmado até à morte, vai nascer esse Reino de homens novos,
livres, onde todos serão irmãos no amor; e, de Jerusalém, partirão as testemunhas de
Jesus, a fim de que
esse Reino se espalhe por toda a terra.
Para concretizar este projecto, Jesus
passou pelos caminhos da Palestina “fazendo o bem” e anunciando a proximidade
de um mundo de paz e de amor para todos. Ensinou que Deus era amor e que não
excluía ninguém, nem mesmo os pecadores; ensinou que os leprosos, os
paralíticos, os cegos não deviam ser marginalizados, pois não eram amaldiçoados
por Deus; ensinou que eram os pobres e os excluídos os preferidos de Deus e
aqueles que tinham o coração mais disponível para acolher o Reino; e avisou os
“ricos”, os poderosos, os instalados, de que o egoísmo, o orgulho, a
auto-suficiência, o fechamento só podiam conduzir à morte.
O projecto
libertador de Jesus entrou em choque – como era inevitável – com a atmosfera de
egoísmo, de má vontade, de opressão que dominava o mundo. As autoridades
políticas e religiosas sentiram-se incomodadas com a denúncia de Jesus: não
estavam dispostas a renunciar a esses mecanismos que lhes asseguravam poder,
influência, domínio, privilégios; não estavam dispostos a arriscar, a
desinstalar-se e a aceitar a conversão proposta por Jesus. Por isso, prenderam
Jesus, julgaram-n’O, condenaram-n’O e pregaram-n’O na cruz.
A morte de
Jesus é a consequência lógica do anúncio do Reino: resultou das tensões e
resistências que a proposta do “Reino” provocou entre os que dominavam este
mundo.
Podemos
também dizer que a morte de Jesus é o culminar da sua vida; é a afirmação
última, porém mais radical e mais verdadeira (porque marcada com sangue), daquilo
que Jesus pregou com palavras e com gestos: o amor, o dom total, o serviço.
Na cruz de
Jesus, vemos aparecer o Homem Novo, o protótipo do homem que ama radicalmente e
que faz da sua vida um dom para todos. Porque ama, este Homem Novo vai assumir
como missão a luta contra o pecado, isto é, contra todas as causas objectivas
que geram medo, injustiça, sofrimento, exploração, morte. Assim, a cruz contém
o dinamismo de um mundo novo – o dinamismo do Reino.
Para além da
reflexão geral sobre o sentido da paixão e morte de Jesus, convém ainda notar
alguns dados que são exclusivos da versão lucana da paixão:
·
No relato da instituição da Eucaristia, só Lucas põe Jesus a dizer: “fazei isto
em memória de Mim” (cf. Lc 22,19). A expressão não quer só dizer que os
discípulos devem celebrar o ritual da última ceia e repetir as palavras de
Jesus sobre o pão e sobre o vinho; mas quer, sobretudo, dizer que os discípulos
devem repetir a entrega de Jesus, a doação da vida por amor.
·
Só Lucas coloca no contexto da última ceia a discussão acerca de qual dos
discípulos seria o “maior” e a resposta de Jesus (cf. Lc 22,24-27). Jesus avisa
os seus que “o maior” é “aquele que serve”; e apresenta o seu próprio exemplo
de uma vida feita serviço e dom. Estas palavras soam a “testamento” e convocam
os discípulos para fazerem da sua vida um serviço aos irmãos, ao jeito de
Jesus.
·
No jardim das Oliveiras, só Lucas faz referência ao aparecimento do anjo e ao
“suor de sangue” (cf. Lc 22,42-44). Esta cena acentua a fragilidade humana de
Jesus que, no entanto, não condiciona a sua submissão total ao projecto do Pai;
e sublinha a presença de Deus, que não abandona nos momentos de prova aqueles
que acolhem, na obediência, a sua vontade.
·
Também no relato da paixão aparece a ideia fundamental que perpassa pela obra
de Lucas: Jesus é o Deus que veio ao nosso encontro, a fim de manifestar a
todos os homens, em gestos concretos, a bondade e a misericórdia de Deus. Essa
ideia está presente no gesto de curar o guarda ferido por Pedro no Jardim do
Getsemani (cf. Lc 22,51); está também presente nas palavras de Jesus na cruz:
“Pai, perdoai-lhes porque não sabem o que fazem” – Lc 23,34 (é desconcertante o
amor de um Filho de Deus que morre na cruz pedindo desculpa ao Pai para os seus
assassinos); está, ainda, presente nas palavras que Jesus dirige ao criminoso
que morre numa cruz, ao seu lado: “hoje mesmo estarás comigo no paraíso” – Lc
23,43 (é desconcertante a bondade de um Deus que faz de um assassino o primeiro
santo canonizado da sua Igreja).
·
Todos os sinópticos falam da requisição de Simão de Cirene para levar a cruz de
Jesus (cf. Mt 27,32; Mc 15,21); no entanto, só Lucas refere que Simão
transporta a cruz “atrás de Jesus” (cf. Lc 23,26). Este dado serve a Lucas para
apresentar o modelo do discípulo: é aquele que toma a cruz de Jesus e O segue
no seu caminho de entrega e de dom da vida (“se alguém quer vir após Mim,
negue-se a si mesmo, tome a sua cruz dia após dia e siga-me”.
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