A
irrupção do Mistério de Deus em nossa vida
Se, no domingo anterior, se podia dizer que os raios do Sol Iustitiae já
abrasavam o horizonte, na liturgia de hoje, rodeada pelas antífonas “Ó” (2), se
abrem as nuvens da madrugada. Irrompe em nossa humanidade, de
modo indescritível e fascinante, a atuação definitiva do amor de Deus.
A oração do dia evoca todo o Mistério da Salvação, desde a
anunciação do anjo a Maria até a Ressurreição do Cristo. O que celebramos
no Natal não é apenas o nascimento de um menino, mas a irrupção da obra de
Deus como realização definitiva da história humana.
A 1ª leitura tem o efeito de um aperitivo. Evoca o paradoxo da minúscula
cidade de Belém, que, porém, é grande por causa de Javé, que cumprirá sua
promessa de chamar novamente um “pastor” da casa de Jessé (pai de Davi). A
pequena cidade toma-se sinal do plano inicial de Deus (“suas origens remontam a
tempos antigos”; Mq 5,1). Não é a grandeza segundo critérios humanos, que é
decisiva para Deus. Isso se mostra plenamente no mistério que se manifesta em
Maria.
O evangelho de hoje abraça dois extremos: a humildade de uma serva, que
vai ajudar sua prima no fim da gravidez, reforçada nesta disponibilidade por
estar ela mesma grávida; e a grandeza de seu Senhor, que ela exalta no júbilo
do Magnificat. Esta complectio oppositorum revela o mistério de Deus nela. Sua
prima, Isabel, ou melhor, o filho desta, João, ainda no útero, toma-se
porta-voz deste Mistério. Pois ele é profeta, ”chamado desde o útero de
sua mãe”. Saltando no seio de sua mãe, aponta o Salvador escondido sob o
coração de Maria. E Isabel traduz: “Tu és a mulher mais bendita do mundo e
bendito é também o fruto de teu seio … Feliz és tu, que acreditaste”. Isabel
sabe que o mistério de Deus só acontece onde é acolhido na fé, na confiança
posta nele. Esta fé não é um frio e intelectual “Amém” a obscuridades lógicas,
mas engajamento pessoal numa obra de dimensões insondáveis. Um risco: uma
mocinha do povo carrega em si o restaurador da humanidade. Mas Maria conhece o
modo de agir de Deus. O Magnificat o demonstra (vale ler mais do que somente as
palavras iniciais). Deus opera suas grandes obras naqueles que são pequenos,
porque não são cheios de si mesmos e lhe deixam espaço. O espaço de um útero
virginal. O espaço de uma disponibilidade despojada de si.
O próprio enviado de Deus confirma esta maneira. “Eis-me que venho para
fazer tua vontade”. Esta frase de Sl 40[39] realiza-se em plenitude no Servo
por excelência, Jesus, que vem ao mundo para tomar supérfluos todos os
sacrifícios e holocaustos, já que ele mesmo imola de modo insuperável sua
existência, em prol dos seus irmãos (2ª leitura).
Serviço e grandeza, duas faces inseparáveis do Mistério de Deus cuja
manifestação celebraremos dentro de poucos dias. Mistério do amor. Claro, amor
é uma palavra humana. Deus é sempre mais do que conseguimos dizer. Dizem que o
amor movimenta o mundo, mas é preciso ver de que amor se trata. O amor
autêntico recebe sua força da doação. Num sentido infinitamente superior, se
pode dizer isso de Deus também. O que aconteceu em Jesus no-lo revela. Este
amor de Deus para os homens ultrapassa o que entendemos pelo termo amor, mas é
um amor verdadeiro, comparável quase com o amor dos esposos, quando autêntico:
os céus que fecundam a terra, Deus que cobre uma humilde criatura com sua
sombra. A liturgia não tem medo destas imagens. Fecundada pelo orvalho do Céu,
a terra se abre para que brote o Salvador.
Do livro “Liturgia Dominical”, de Johan Konings, SJ, Editora Vozes
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