DE ONDE E PARA ONDE
Eu venho de dentro das raízes
da terra e do tempo.
Venho das Caravelas de Cabral,
dos porões dos navios negreiros
e do fundo da floresta americana.
Venho das flechas envenenadas
contra todos os invasores.
Venho do grito de libertação de Tiradentes,
do suor e do sangue da insurreição pernambucana,
do sol, da terra e da loucura de Canudos.
Venho dos verdes mares bravios,
do gibão e do chapéu de couro,
do homem que se irmana com a terra
em dimensão fatal de espera sem esperança.
Venho apenas com a memória
e não com a conciencia
do que fui,
do que sou,
do que serei.
Venho porque nasci,
porque o tempo me empurra
e porque sou feito,
conduzido,
planejado,
sou reduzido a lutador,
sem rumo e sem conquista.
Venho dos roçados e das usinas,
das fazendas, das fábricas e das docas,
das prisões e dos mocambos
e de outras tocas onde nasce
e se esconde e se desintegra a raça.
Só sei que venho
e que vou
porque me dizem que ando.
O que sei mesmo
profundamente,
pesadamente,
lucidamente,
é que estou aí.
vou com os olhos
vou com os olhos
cheios de horrores azul-verde-amarelo…
E os pés
vazios de caminhos novos
e calçados de rotina
das normas e passos automáticos e ingentes.
Vou com os ouvidos carregados de miragens
de esperança e de paz
e com a língua seca e paralítica
de não poder balbuciar
meu primeiro ato de fé.
Vou anunciando em mim
Vou anunciando em mim
um povo que vai de pé no chão,
um povo sem voz,
sem existência e sem imagem.
Um povo que nasce no sertão,
no mar e na alma da cidade,
um povo que faz sempre a mesma via que
seguindo sempre a mesma direção
e, quando quer traçar seu próprio rumo,
vai se esbarrar na contramão…
(08 de maio de 1972).
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