Notícias do Sínodo dos Bispos 23
- Pe. Lima
APRECIAÇÃO FINAL DO SÍNODO DOS
BISPOS DE 2012
As crônicas enviadas durante as três semanas do Sínodo focalizavam um
determinado momento de sua realização, relatando o que passava naquele momento,
como é próprio de uma crônica. Sem pretender fazer uma ampla síntese, o que
seria impossível dada a extensão e complexidade dos temas tratados, pretendo
agora relatar aquilo que me pareceu mais importante no conjunto desse grande
evento.
A experiência vivida nesses 22 dias
é única e incomparável. Foi uma participação intensa de comunhão eclesial em
escala mundial, de uma Igreja viva e pujante, a pesar das dificuldades de hoje.
Estava presente a Igreja inteira, representantes de todos os extratos eclesiais
em nível da totalidade do Povo de Deus, tanto jerarquia, como fieis leigos.
Sendo "dos Bispos" é lógico que a presença maciça era deles, que
realmente conduziram, trabalharam, tomaram decisões como responsáveis primeiros
da Igreja. Entretanto, estavam presentes também sacerdotes, religiosas e
religiosos, leigas e leigos comprometidos com a evangelização. A Igreja
Católica não é apenas os de rito latino; os católicos ortodoxos orientais
estavam presentes em peso. Havia igualmente os "delegados fraternos",
de outras igrejas cristãs, preocupadas também com os desafios da evangelização.
Chamou a atenção, não tanto a profundidade da reflexão e de decisões, mas,
sobretudo o testemunho de experiências realizadas em todas as partes do mundo.
na busca de novas formas e modos de evangelizar.
Acima de um Sínodo, coloca-se
apenas a realização de um Concílio
Ecumênico. O Sínodo, tal como a Igreja o celebra hoje, tinha inicialmente
uma dupla finalidade: manter vivo e aceso o espírito do Concílio Vaticano II e
ser expressão da Colegialidade Episcopal. Quanto à primeira finalidade, ele esteve
intimamente ligado ao Vaticano II não só por celebrar seus 50 anos, mas por sua
estrutura, dinâmica interna, realização e conclusões. Pode-se dizer que o
Sínodo "é um filho do Concílio"; a assembleia sinodal reafirmou, não
tanto explicitamente, mas nos fatos e no temas tratados, a firme adesão aos
ensinamentos do Concílio.
Com relação à segunda finalidade,
ser expressão da colegialidade episcopal, ela fica um tanto obscurecido, dado
seu caráter apenas consultivo. Ou seja: as célebres Proposições, documento mais importante, não têm autoridade em si
mesmas. São apenas sugestões deixadas na mão do Sumo Pontífice para que ele, e
seus auxiliares mediatos e imediatos, elaborem, dentro de um ano mais ou menos,
um documento oficial (a exortação
apostólica). Aquela tão suspirada descentralização do governo da
Igreja, partilhando um pouco o excesso de responsabilidade e de poder que se
concentra na pessoa do Papa, não se realiza plenamente. De outro lado, o Sínodo foi uma manifestação inequívoca da comunhão e
afeto episcopal, do zelo, paixão e entusiasmo com os quais cada bispo assume a
responsabilidade por todas as igrejas, e não apenas por sua diocese.
Houve uma plena sintonia com os
sérios problemas que hoje assolam a humanidade, tudo, naturalmente visto à luz
da evangelização para a transmissão da fé,
que era o polo gerador de todos os temas tratados. O inusitado gesto de enviar
uma delegação à Síria, em plena guerra civil e fratricida, levando não só
ideias e exortações, mas também mediação político-diplomática e auxílio
econômico, mostrou o quanto a Igreja está mergulhada em toda sorte de
sofrimento humano. Isso ressoou muitas vezes e de diversos modos na aula
sinodal, sobretudo com o testemunho de inúmeras ações criativas para que a
mensagem de Jesus torne-se realmente Boa-Nova e palavra de salvação para todos.
Ficou claro também que tudo o que
a Igreja faz deve ser fruto de uma profunda confissão
e profissão de fé em Cristo Jesus,
que com seu Evangelho, revela a proximidade de Deus em nossas vidas. Ela mesma
em primeiro lugar é destinatária dessa Palavra de Deus, e daí a contínua conversão de si mesma e a vontade de,
por todos os meios, quer pelo ministério da Palavra como dos sacramentos, ser a
anunciadora da salvação para um mundo que se mostra cada vez mais secularizado,
afastado de Deus e mergulhado no materialismo.
A expressão nova evangelização foi entendida em seu múltiplo significado,
sempre e a partir da ação do Espírito Santo e do primado da graça. Ela é, em
primeiro lugar, um grande chamado para todos os fiéis renovarem a própria fé,
tanto na adesão pessoal e profunda à pessoa de Jesus (confissão da fé), como no testemunho de vida à luz do Evangelho (profissão de fé). A nova evangelização tem aí seu fundamento e garantia de sucesso, e
não em projetos, planos, e programas, por mais importantes que eles também sejam.
Em segundo lugar significa o
interesse de propagar sempre mais o Evangelho de Jesus entre todos os povos.
Diante das urgências internas da vida eclesial, não pode ficar em segundo plano
a missio ad gentes, o caráter
missionário da Igreja, algo que pertence à sua natureza. Isso implica um
retorno contínuo ao primeiro anúncio (querigma),
a proclamação do mistério de Jesus Salvador: sua encarnação, tornando-se um de
nós, sua, paixão, morte redentora e glorificação. Esse quérigma (conteúdo essencial da fé) deve estar presente no início da
proclamação do Evangelho e reevocado continuamente em toda pregação e
catequese. O drama que a Igreja vive hoje é que muitas nações, cristãs em
épocas passadas, hoje estão longe de Deus, vivem como se Ele não existisse, e como
se a Igreja fosse uma das tantas expressões religiosas sem sentido nenhum para
o mundo de hoje. É difícil admitir, mas precisamos nos convencer de países
outrora cristianíssimos (sobretudo na Europa) hoje são terra de missão, de
anúncio primeiro, de evangelização, no sentido mais próprio e estrito da
palavra.
Nova evangelização, em terceiro lugar, expressa a preocupação da
Igreja por inúmeros cristãos que se tornaram sacramentalmente cristãos, mas
vive como se fossem pagãos, afastados da Igreja e da prática cristã. Para eles
é necessária uma nova conclamação, um novo apelo e, naturalmente, novas formas de
pastoral, de catequese com métodos diferentes.
Diante desse quadro, as expressões
"missão continental", "uma Igreja em permanente estado de missão",
e "conversão pastoral" tão nossas latino-americanas foram integradas
no vocabulário desse Sínodo. Os documentos de Aparecida foram continuamente citados; de fato, aqui na América
Latina e Caribe, nós já nos debruçamos e procuramos soluções pastorais para os
grandes problemas para os quais o Sínodo agora se voltou, em escala mundial.
Mas o Sínodo não ficou apenas em
generalidades: desceu à consideração de problemas concretas e urgências
pastorais como a necessidade de diálogo entre o Evangelho e cultura
(pensamento moderno, ciência, universidades), a missão importantíssima dos
leigos cristãos no processo da nova evangelização, o valor e o testemunho da
vida religiosa e contemplativa no nosso mundo secularizado, a nova
evangelização e os direitos humanos, a liberdade religiosa, o direito e dever
de proclamar o evangelho, a promoção humana, a opção pelos pobres, o serviço da caridade, o cuidado com os idosos e doentes,
migrações, valor e atualidade da doutrina social da Igreja.
Olhando mais para a vida interna da Igreja
foram tratados temas como: a urgente necessidade de conversão da própria Igreja
(pastores e fiéis), a santidade dos evangelizadores, a alegria com que o
evangelho deve ser testemunhado, a iniciação cristã com seus três sacramentos,
a catequese (sobretudo com adultos), os catequistas e o reconhecimento de seu ministério, o valor do Catecismo¸ a recuperação do sentido
sagrado do domingo, a situação de muitos cristãos que vivem em contínuas
ameaças por causa da fé (perseguições e martírio), a urgência da educação, a
via da beleza como caminho de evangelização. A última parte das Proposições aborda o tema dos
"agentes e participantes da Nova Evangelização": a diocese e pastoral
orgânica, a paróquia como um dos eixos da nova evangelização, a beleza da
liturgia e um grande apelo para os padres no aprendizado e aperfeiçoamento da ars celebrandi (arte de celebrar), a
recuperação do valor do Sacramento da
Penitência para todos cristãos, particularmente para os que retornam à
Igreja, o importante papel dos fieis leigos (especial relevo às mulheres) e os
movimentos de diversos tipos, a piedade popular, as
peregrinações, a família cristã com suas crises e desafios, os jovens para os
quais a Igreja olha com preocupação sim, mas com muita esperança, o diálogo
ecumênico, inter-religioso, diálogo entre fé e ciência, os novos cenários urbanos, o átrio dos gentios (espaço de diálogo com os não crentes), o cuidado
com o meio ambiente, etc.
As Proposições
devem ser consideradas o documento principal do Sínodo; foi autorizada a
publicação não oficial (oficiosa) de sua versão em inglês, que já está na
internet. Um crítico ironizou as 58 proposições, citando o provérbio latino:
"parturiunt montes, nascetur ridiculus mus" (engravidam-se as montanhas
e nasce um ridículo ratinho). É desconhecer a densidade de cada uma delas, e
muito mais a natureza do Sínodo. Em segundo lugar a Mensagem, de conteúdo denso, linguagem estimulante e bem
comunicativa, é também documento do Sínodo; ela insiste no otimismo que deve
tomar conta dos discípulos de Jesus e não o desânimo ou derrotismo diante das
grandes dificuldades de evangelizar o mundo de hoje. Elas devem ser transformadas
em novas oportunidades de anúncio do Evangelho. Fazem parte também do Sínodo as
duas homilias de Bento XVI pronunciadas na abertura e na conclusão do Sínodo.
São grandes meditações, a partir da Palavra de Deus, sobre o tema central do
Sínodo.
O Papa tem falado frequentemente da
"desertificação espiritual" que vive o mundo de hoje. No deserto, as
estrelas brilham mais na noite escura; assim também deve brilhar mais o
Evangelho no deserto espiritual do mundo de hoje, para que todos sejam por ele
iluminados. Nesse sentido, é invocada a proteção de Maria, estrela da
Evangelização e modelo supremo de discípulo de Jesus.
Para mim, a participação no Sínodo
foi mais de enriquecimento pessoal do que de colaboração; consegui, sim, junto
com outros, deixar algo numa proposição a
respeito da catequese, catequistas e catecismo. Mas a riqueza recebida foi
muito maior. Despeço-me de todos, agradecendo a paciência em seguir esses
relatos e esperando ter contribuído para um maior conhecimento imediato do que
ocorria por aqui. Auguro que todos possam também se enriquecer com mais esse
impulso evangelizador provocado pelo Sínodo e lançar-se com o entusiasmo de
sempre e mais ardor na transmissão da fé em Nosso Senhor Jesus Cristo e sua
Igreja.
Roma, 30 de Outubro de 2012, terça feira
Pe.
Luiz Alves de Lima, sdb.