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segunda-feira, 1 de outubro de 2012

P. Lorenzo Giordano - V (História Salesiana no Brasil)


  1. Contexto político - militar
Os primeiros anos dos Salesianos no Brasil correspondem aos últimos tempos do Império e aos primeiros vagidos da República. Com efeito, desde a abertura por eles da primeira Casa em Niterói (1883), ao movimento republicano de 15 de novembro de ’89, vão-se seis anos, época em que os religiosos de D. Bosco fundaram em nosso país dois de seus principais estabelecimentos educacionais. Trata-se de um período histórico pleno de movimentos políticos-ideológicos e de mudanças que desembocaram na Proclamação da República em 15 de novembro de 1899.
Nessa atmosfera efervescente, viveu o pelo P. Giordano, - embora jamais tenha comentado algo, pelo menos no atual epistolário, - o Exército nacional ocupou um papel de protagonista.

Uma das consequências da Guerra da Tríplice Aliança (1864 – 1870) foi o despertar dos nossos militares para uma nova consciência de si, um papel mais ativo na sociedade nacional. O fato deve-se, em parte, à experiência vivida, em contato com seus pares da Argentina e do Uruguai, durante o conflito. Enquanto entre nós a Monarquia relegara os militares a um segundo plano, naquelas nações eles participavam ativamente das vicissitudes nacionais.
As Forças Armadas brasileiras eram constituídas pela Guarda Nacional[1], pelo Exército[2] e pela Marinha. Nesta encontravam-se também inúmeros oficiais pertencentes ao mesmo nível social formado pela Guarda Nacional.
Os recrutas do Exército regular provinham normalmente das classes sociais menos aquinhoadas. A situação era ainda mais restritiva, em virtude de uma lei de 1874 que facultava pagar a quem não quisesse servir nas Forças Armadas uma taxa ou apresentar um substituto. Existia uma visível fenda entre oficiais e soldados. A grande massa destes era formada por negros ou mulatos, rudes e sem voz nem vez nos negócios políticos do país.
Durante a campanha da Tríplice Aliança, a imprensa sem olhar as agruras da guerra, não poupava críticas à sua morosidade, - motivada em grande parte pelas condições e pelo tipo de soldado que a fazia.

«O despreparo dos soldados, em grande número, segundo o depoimento do próprio marquês comandante –chefe [Caxias], composto por escravos rebeldes que os senhores mandavam morrer pela pátria»[3].

A mesma imprensa criticava a politicalha existente e o “patronato desmoralizante e corruptor”.
Outra das consequências do pós “Tríplice Aliança” foi a conclusão da ineficácia da Guarda Nacional para uma guerra moderna. Por outro lado era indiscutível a modernização do Exército e da Marinha, material e humanamente falando. Com este escopo fundou-se a escola da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro. O país passou a ter dois tipos de oficiais no Exército. Um grupo formado por militares de carreira, quase cinquenta por cento ex-combatentes na guerra contra o ditador argentino Rosas e os que haviam combatido Solano Lopes no Paraguai, quase noventa por cento. Uma segunda categoria era formada pelos jovens oficiais que saiam da Praia Vermelha. Estes não tinham a experiência bélica que haviam conquistado os ex-combatentes na Argentina e no Paraguai[4].
O exército de Caxias passou a ter na sociedade uma maior atuação com uma característica específica. A vida nacional e as mudanças na organização estatal passaram a ser objeto dos interesses e atuação da oficialidade.

«O estrato social dos oficiais......liberava-os dos vínculos e compromissos com a oligarquia dos grandes proprietários de terra que tinha governado o Império. O radicalismo dos militares com efeito não lhes opunha à “burguesia do café” nem aos representantes do capitalismo financeiro. Contrapunha-os no entanto à antiga classe política e tinha como ideal a purificação do Estado das mudanças de direção a que ele conduzira. Tanto os que haviam estudado na Escola Central do Exército, inspirados no Positivismo, como os oficiais que provinham da tropa, todos estavam convencidos da necessidade, em pratica, de um forte princípio diretivo»[5].

Ao retornar à pátria, trazendo os louros da vitória, a corporação começou a planejar outra guerra. O objetivo era a reforma do Estado. No território nacional, a partir de então, passou a existir «um estamento cívico, provado na luta, que merecia respeito e queria exercer poder», para o bem da nação. Esta idéia difundiu-se paulatinamente entre a oficialidade.

«O esprit de corps militar surgia através de uma espécie de fusão mística entre a corporação e a pátria. Para que ela se objectivasse entretanto, faltava a substância transfigurada que lhe daria o contorno real: um Estado Reformado»[6].

O Novo Estado vislumbrado na mente dos militares significava sem dúvidas o fim da Monarquia, da “politicalha” e uma reforma social que abolisse a escravidão. A ordem social e política vinha sendo criticada pelos militares, mesmo antes da guerra contra S. Lopes. Para eles a culpa pelas injustiças reinantes, frente aos problemas militares e sociais era causada pela desídia dos “bacharéis”, dos senhores “legistas”.
Logo após a conflagração de ’64 – ’70, foram surgindo algumas entidades e fatos em defesa dos interesses castrenses: a criação do Clube Militar, o Manifesto Republicano (1870), a criação do Instituto Militar por Floriano Peixoto (1871), e a famosa Questão militar, em 1887.
O clima reformista não era porém, apenas apanágio dos militares. Duas outras questões tiveram seu peso preponderante somadas à problemática dos quartéis. A questão servil, referente à libertação dos cativos, esposada pelo mesmo Imperador D. Pedro II e também por alguns escravistas. Sob o aspecto religioso aparecia a famosa questão religiosa. O conjunto de todas estas forças levaria inexoravelmente e até de um modo natural, como acharia o próprio Imperador, à extinção do Regime monárquico e ao início da República[7].
Comentando a participação popular e o grosso da soldadesca na participação do movimento de 15 de novembro, assim se expressa Boris Fausto:

«O 15 de Novembro apareceu como um movimento “superficial”. Por um lado, na expressão consagrada de Aristides Lobo, o povo teria assistido “bestializado” à parada militar da Praça da Aclamação. Dentro do Exército, a articulação faz-se por intermédio de um punhado de oficiais jovens de baixa patente que, se estavam isolados da soldadesca – que parece não ter-se dado conta do alcance de seus atos mesmo quando reunida em frente ao Ministério da Guerra no dia 15 – também não se havia articulado, se não muito parcialmente e à última hora, com os oficiais superiores»[8].

Por outro lado, Boris afirma que há inúmeras descrições da articulação militar do 15 de Novembro, publicadas em jornais e documentos de 1880.





[1] A G. Nacional, preferida pela elite civil, convocava para suas fileiras os que estivessem entre 21 e 60 anos e apresentassem um ganho mensal acima dos 100$000 (Cem mil réis). Representava, por conseguinte uma casta do mais alto padrão aquisitivo do país. Não se incluíam na convocação os oficiais das outras corporações, os clérigos e oficiais de justiça.
[2] A estrutura do Exército brasileiro com a Independência conservou-se semelhante àquela do exército português. Em Lisboa para que alguém pudesse seguir a carreira de oficial, tinha que pertencer a uma família nobre. No Brasil era suficiente ser filho de um oficial.
[3] B. FAUSTO, III O Brasil Republicano..., DIFEL S.A, p. 28.
[4] José Francisco da ROCHA POMBO, História do Brazil (Ilustrada). Rio de Janeiro, Benjamim de Aguila – Editor s/d, IX, pp. 342 – 344.
[5] L. LASAGNA, Epistolario, Vol. III…, p. 12.
[6] B. FAUSTO, III O Brasil Republicano..., DIFEL S.A, p. 28.
[7] ANTENOR DE ANDRADE, Os Salesianos e a educação..., LAS – ROMA, pp. 19, 20.
[8] BORIS FAUSTO, O Brasil Republicano, Estrutura de Poder e Economia, p 15, DIFEL, S. PAULO, 1977).

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