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quinta-feira, 2 de maio de 2013

Maus momentos em um trem italiano


O dia em que fui obrigado a descer do trem
ou
Viajando de Roma a Verona sem uma Lira no bolso.
(A. de Andrade)

Naquele manhã eu tinha deixado Roma para celebrar uma Missa na cidade de Verona. A Liturgia era por ocasião da partida de cerca de 40 voluntários, entre médicos, engenheiros, advogados e outros profissionais que partiam como voluntários para várias missões na África.
Antes de deixar minha residência, na Casa Geral dos Salesianos em Roma, Pisana, vesti o Clerical suit (roupa eclesiástica, equivocadamente chamada Clergiman) e me dirigi à Estação Términi, de onde partem modernos e velozes trens para todos os quadrantes da Europa. A passagem fora comprada on line antecipadamente.
Após alguns minutos entrei em um dos vagões que se dirigiam a Verona no Nordeste da Itália. A distância entre as duas cidades varia entre 03 e 07 horas, dependendo do tipo de trem.
Antes da primeira parada, aparece o funcionário das Ferrovias e lhe apresento o bilhete. Imediatamente o cidadão me diz que estou no trem errado e vai logo estipulando a multa que devo parar na hora. Ao colocar a mão nos bolsos percebi que deixara todas as Liras na calça quer trocara e havia deixado sobre a cama de meu apartamento. Não gelei porque já me encontrava gelado com o frio que fazia.
Fiquei preocupado, pois como estrangeiro era um dos visados, pois costumavam dar um jeitinho e viajarem de graça nos transportes romanos, ou europeus. Ao entrar nos trens você deve carimbar ou não o seu tíquete. Caso não o faça ele poderá valer para outros percursos. No entanto, você se arriscará a ser pego pelo fiscal e receberá uma pesada multa. Você deve autenticar sua passagem, na hora que embarcar. Cada vagão tem suas máquinas para isso.
Tentei explicar ao homem da Lei o que havia acontecido. Disse-lhe que era Sacerdote salesiano e que de modo nenhum tinha querido burlar as normas italianas. Acresce ainda que eu tinha tomado o trem errado. Aquela era uma composição mais rápida e portanto mais cara do que a em que eu me encontrava. Eu estava portanto, duplamente condenado.
O cidadão coçou a cabeça  por baixo de seu chapéu oficial, ficou vermelho e mais sisudo. Pensei até que fosse me  jogar pela janela. Alguns momentos de silêncio para mim uma eternidade. Por fim o guarda sentenciou: o senhor desce na próxima Estação e espera outro trem. Pensei com meus botões: ainda bem que não me entregou à Policia, pois eu devia pagar uma multa bastante gorda. Desci em uma cidadezinha desconhecida, plantada nos contrafortes dos Apeninos. Parecia-me um planeta desconhecido, um mundo onde ninguém jamais me vira nem eu conhecia ninguém.
Que fazer? Não podia ir nem para frente nem para trás. O trem que eu devia tomar em Termini já havia passado. Retornar a Roma  a pé, nem pensar. Tentar uma carona. Dificilmente conseguiria. Pensei nos missionários de Verona que me esperavam e no Superior na Casa Geral que me havia entregue aquela incumbência. Quase que me veio vontade de chorar em terra estrangeira. Pensei em encontrar algum brasileiro e pedir socorro. Seria muita sorte, como  encontrar uma agulha num palheiro. Vamos à luta, pensei e comecei a caminhar subindo as ruas do povoado colinoso.
Veio-me então o pensamento de procurar o pároco da cidade. Perguntei onde ficava a paróquia. Os primeiros a quem abordei, pasmem, não souberam me informar nada. Galgando a colina com minha pastinha na mão. De vez em quando a abria para ver se encontrava alguma Lirazinha.  Meu olhar perscrutava as cumeadas, ansiando por descobrir alguma cruz que denunciasse a presença salvadora de uma Igreja. Coragem e esperança até que não me faltavam. Sentia-me cansado e faminto. Alguma coisa me sugeria que eu encontraria uma ajuda e chegaria em tempo para celebrar a Missa dos jovens veronenses marcada para a noite.
Interroguei algumas senhoras que transitavam nas calçadas. Elas, supunha eu, eram mais religiosas que os homens e poderiam me dizer onde ficava a Igreja, ou onde morava algum padre. Finalmente uma delas me orientou. Ficou sentida com minha história e pensei até que me fosse arrumar alguma Lira. Coitada, nem sempre elas andam com dinheiro. Aquela não portava nem mesmo uma bolsa.
A Igreja estava aberta, deserta e friorenta, vazia de fiéis. Procurei o escritório do pároco. Chegou alguém e me apontou onde ficava. A porta fechada, quase me trouxe um calafrio, pois pensei que não havia ninguém no interior daquele recinto. A temperatura gélida obrigava as pessoas fecharem os ambientes. Eu tinha o  coração nas mãos para que não caísse no chão. Bati na madeira dura e gelada. Do outro lado ouvi uma voz rouca e profunda que me mandava entrar. Empurrei a porta e divisei uma figura de barbas brancas e longas. Um religioso envolto num burel castanho apertava nos lábios um longo e gordo charuto, cuja nuvem de fumaça deixou-me meio tonto. Era um frade franciscano já provecto. À primeira vista, aquele servo de Deus não me impressionou mal. Fiquei mais animado.
Em silêncio, olhos baixos, o frei escutou minha história. Sua fisionomia não me adiantava nada sobre a decisão que tomaria a meu respeito. Quando lhe disse que era Vice-diretor da Casa Geral dos Salesianos em Roma, olhou-me, puxou a gaveta e me entregou trinta mil Liras. Senti vontade de abraçá-lo, mesmo já enjoado com o odor da sua barba e o perfume penetrante do seu havana. Disse-lhe que retornaria para pagá-lo. Não precisa, afirmou. Reze uma Ave Maria por mim. Trinta mil Liras eram bastante. Deu para comprar outra passagem, uma merenda e ainda sobrou algo. Procurei retornar e visitar aquele religioso. Não foi possível.
Cheguei em Verona, a tempo para celebrar o ato religioso. No dia seguinte, apos visitar um pouco a cidade, retornei a Roma. 

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