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terça-feira, 6 de novembro de 2012

Um missionário salesiano na Amazônia (P. Lorenzo Giordano).


Vestidos e língua dos Tucanos – O tipo tucano – A maloca – Uma noite na maloca – A trabalhar

Como poderei agora, Rev.mo Sr. D. Álbera, manifestar-lhe as minhas impressões acerca do reino dos Tucanos? Não serei capaz. Os homens não usam vestidos, e as mulheres não o teem melhor: estas apresentaram-se cobertas desde a cintura até aos joelhos. A’quela vista experimentei sem querer grande repugnância, pois pareceu-me contemplar n’aquelles miseráveis o desprêso á minha própria humanidade; mas invadiu-me logo o sentimento da mais profunda compaixão. Quisera naquela hora dar toda a minha roupa e ficar unicamente com a batina! Ao mesmo tempo provei um desejo forte, irresistível de recorrer aos países mais civilizados e pedir a todos: ricos e pobres, grandes e pequenos, os meios para remediar esta penúria extrema e cobrir a nudez phisica e moral destes infelizes. Dizendo missa nas malocas nos dias anteriores, enquanto os índios cheios de curiosidade observavam os mais pequenos movimentos, eu esforçava-me por combater a emoção que se apoderava de meu coração: mas quando o dia depois da chegada a Pary-Cachoeira celebrei na margem diante daqueles dois ranchos  chegada á elevação arrasaram-se-me os olhos de lágrimas, e pedi então a Jesus Sacramentado com todo o fervor da minha alma concedesse àquela pobre gente a graça de conhecê-lo e amá-lo quanto antes! Também nas preces ao fim da missa, áquellas palavras “exules filii Evae[1]tornei a sentir a mesma comoção.
Ah! Ignoro que haja em toda a terra filhos de Eva mais distantes da pátria] do próprio país] que estes! Disse-lhes alguma palavra, e estou um pouco satisfeito por ver que entenderam que o Pahy[2] que contemplavam e ouviam, era um enviado por Deus para fazer-lhes o bem.
Esperava achar índios que falassem a língua geral, o Nheengatú, pois desejava ouvi los e, depois da pouca teoria alcançada com o estudo, exercitar-me em falar: estava ansiosos de pôr-me em comunicação com eles para instruí-los. Mas eles falam a Gíria, espécie de dialecto Tucano com muitas vozes nasais, que é á língua geral o que é o piemontês ao [para o] italiano. Somente os Tuxauas e alguns poucos sabem o Nheengatú e alguma palavra portuguesa. O tipo Tucano é de presença bastante boa. De estatura regular, tez bronzeada clara, cabeça e olhos redondos, cabelo em geral preto e curto, oferece um complexo de proporções tão agradáveis que, a não ser dotado de movimento, seria uma artística estatua de bronze. De olhar tímido, mas de gestos desembaraçados, afeiçoa-se facilmente a quem se mostra seu amigo: mas torna-se logo desconfiado se olham para ele de soslaio. Guarda no peito rancor, e vinga-se terrivelmente de quem o maltratar. Ao Missionário do Tucano (e em geral dos selvagens), são necessárias duas virtudes: caridade no coração, e prudência nas maneiras.
O Tucano pode dizer com mais verdade que o filósofo “Omnia mecum porto[3]”. Por vestido leva a poira, isto é, um ramal de miçanga ao pescoço, ou ordinariamente um cordão com um pedaço de mármore branco e  nada mais! Não atormenta as orêlhas, o nariz e os labiosa com arrecadas; mas por ocasião das festas tatua o rosto e o corpo com differentes tintas. As palavras: litteratura, arte, officio são para ela ocas de sentido. O seu comercio por falta de moedas consiste em trocar objetos, v. g. farinha por cachaça. Pesca com rede e frecha, e é um hábil caçador de arco e espingarda. Tendo um indo recebido de Sr. Manduca oito balas para caçar um[a] anta (anfíbio do tamanho de um vitelo), chegou em pouco tempo trazendo duas.
O Tucano vive na maloca, que manhã e tarde lhe serve de dormitório, cozinha e refeitório.
A maloca é successivamente officina para os trabalhos domésticos, local de reunião na épocha das chuvas e salão de baile nas grandes solennidades. É o logar onde o Tucano vive, morre e é enterrado. A maloca para o Tucano é o mundo. E em realidade ela é bastante espaçosa: a sua superfície vai de 40 a 50 metros por 14 a 20, e tem 12 metros de altura ao meio, e 2 nas partes laterais. Parece uma estação de caminhos de ferro com duas grandes entradas, abertas quase sempre, e varias portas pequenas aos lados, que se abrem exclusivamente no caso de necessidade. A armação é de madeira escolhida: o resto de palmas ou palha, que é preciso renovar ao cabo de poucos anos.
Quis fazer um estudo atento sobre o Tucano, seguindo os seus movimentos diarios. Para começar desde a manhã cedo as minhas observações, obtive de passar uma noite na maloca em un ângulo cerca da entrada sem ninguém saber nada amenos o tuxaua. A’s 10 já estavam todos nas suas repartições; divididas como grandes celas, cada um na sua própria rede (e eu na minha). Havia um silencio profundo, e rompia a escuridão o clarão avermelhado de uma fogueira, que, como se disseram depois, uma das mulheres mais velhas mantêm sempre acesa. Perto das 4 da manhã notei que se levantavam todos (e eu com elas), e, divididos em grupos foram tomar banho no rio. De volta começaram a preparar o almoço: cada lar fazia o seu; no fim foi posto no meio, repartindo-o as mulheres primeiro aos homens e logo entre si. Depois de almoçar saíram quase todos: os homens a pescar, caçar ou preparar novos terrenos, derribando arvores; as mulheres para a lavoura ou á lenha, voltando a tempo para fazer a cozinha. O cuidado dos meninos está á conta das mães, que os tratam com carinho verdadeiramente maternal. Levam-nos consigo [consigo] enquanto [enquanto] são pequenos, ora ao colgo, ora nas ilhargas e ora juntos ás costas, dentro de uma cesta.



[1] Filhos errantes de Eva.
[2] Padre.
[3] Tudo que tenho levo comigo.

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