De Pombal ao Ipiranga (1759 a 1822)
P. Antenor de Andrade
É o período que se inicia com outra expulsão dos filhos de Santo Inácio
pelo Marquês de Pombal e termina com a proclamação da Independência. Na época
diversas foram as diretrizes seguidas pela política indigenista. As figuras
principais de então foram o Marquês de Pombal e D. João VI.
Em 19 de maio de 1759, o Diretório indígena que até então servia para o
Pará e o Maranhão foi estendido a toda a Colônia. Nele se reconhecia
abertamente que os missionários tinham sido incapazes de cristianizar e
civilizar os índios. Estes deveriam ser legalmente emancipados, os Jesuítas
expulsos do Brasil e os demais missionários afastados da administração temporal
relativa à catequese.
Segundo Pombal, Ministro de Dom José Primeiro, os povos indígenas não
eram confiáveis, representando uma constante ameaça ao Estado português.
Trabalhando sobre esta premissa, todo aquele que fosse defensor dos índios,
tornava-se ipso facto, inimigo de Portugal e sua política. Foi assim que
considerados perigosos, os padres jesuítas foram novamente banidos da América
em 1759. Primeiro da América portuguesa, anos depois das Colônias espanholas.
«Para o Brasil e em especial
para a Amazônia, foi o início de uma grande noite [faz lembrar a noite dos
dez séculos da Idade Média.]. Os colégios dirigidos pelos padres foram
fechados; as aldeias, com o tempo, foram abandonadas ou se tornaram cidades. No
lugar dos jesuítas foram nomeados funcionários do governo, que exploravam os
indígenas e violentavam suas mulheres».
A ojeriza dos invasores e predadores contra os nativos americanos foi
tamanha que chegaram incrivelmente a impor uma política de terra arrasada na
grande Colônia dos trópicos.
«Para não conservar a
lembrança das antigas culturas, as aldeias receberam nomes de cidades
portuguesas, como Santarém, Barcelos, Bragança, Ourém, Alenquer e outras. As
línguas indígenas foram proibidas e o português tornou-se língua oficial. Nessa
época a língua geral, ou nheengatu, sistematizada pelos jesuítas
e muito usada na Amazônia e no Sul do Brasil, foi proibida e considerada língua
de selvagens e de povos atrasados».
As consequências desta política foram altamente perniciosas para os
habitantes locais. Despreparados preparados para viveram na situação artificial
em que foram forçosamente colocados, tornaram-se fácil e rapidamente presa da
ganância dos colonos, que de há muito cobiçavam o patrimônio do gentio.
A catequese dos índios, quase completamente abandonados, continuará com
a pregação tradicional, através do trabalho denodado dos Capuchinhos italianos.
Do Ipiranga ao Império - 1822 a 1889
Os anos iniciais do Governo do Príncipe Regente, D. Pedro I,
caracterizaram-se por uma política de verdadeira caça às bruxas: a do
extermínio dos índios que não se dobrassem ao regime.
A catequese, afirmamos anteriormente, durante os cem anos de ausência
jesuítica foi posta a cargo dos Capuchinhos. No entanto, com a abdicação de D.
Pedro I (1831), os valorosos frades passaram também eles a serem atingidos pelo
veneno xenófobo dos senhores da maçonaria. Um decreto de 25 de agosto daquele
ano, proibiu-lhes o exercício do ministério.
A catequese exercida pelos religiosos homens consagrados, vocacionados
e excepcionais, quanto à dedicação à causa foi substituída pela leiga. À frente
das aldeias foram colocadas pessoas impreparadas, sem vocação e carisma, muitas
interessados apenas nos dividendos fáceis. Não era difícil prever-se um
retumbante fracasso com as mais desastrosas consequências para os aborígenes.
Os homens em seus humildes hábitos de capucha ou burel foram chamados de volta.
José Bonifácio preocupou-se pela integração física do país continental
que nascia. Achava o Patriarca que para consolidação do Império brasileiro era
de suma importância a integração dos brasis, que povoavam seu território.
A empresa envolvia enormes dificuldades. Em seus Apontamentos para a
civilização dos Índios bravos do Império do Brasil, por ele apresentados ao
Parlamento (01/06/1823), escreve:
«A causa destas dificuldades
nasce do estado miserável em que se encontram os índios e do modo desumano com
que, sucessivamente, Portugueses e Brasileiros os temos maltratado, e
continuamos a fazê-lo ainda que com intenções de domesticá-los e torná-los
felizes».
A Constituinte do Império recebeu (12/12/1823) os Apontamentos do
Patriarca da Independência, mas pouco se incomodou com a problemática indígena,
assunto que na prática foi entregue às Províncias.
Governador de Mato Grosso e antigo estudante do Seminário de Mariana e
da Faculdade de Direito de S. Paulo, José Vieira Couto de Magalhães (1837 –
1898) foi um dos leigos que melhor entendeu e formulou a política indigenista
imperial. Para ele o Brasil não podia repetir com seus índios o mesmo de outras
regiões americanas, onde se gastavam somas enormes com poucos resultados. A
solução também não estaria no massacre dos aborígenes.
Entre os objetivos de sua política indigenista estavam a integração ao
território nacional de grandes áreas que praticamente já eram reconhecidas pelo
direito internacional; a preparação de quase mil trabalhadores para as
fazendas, extracção de minérios, madeira, transportes. Uma das idéias era a
integração das bacias fluviais platina e amazônica. Militar que era, Couto de
Magalhães não esquecia a possibilidade que os silvícola poderiam ser os
guardiães das fronteiras nacionais.
Por solicitação de D. Pedro I (1826) as autoridades civis e
eclesiásticas provinciais organizaram um levantamento sobre a caminhada
catequética indígena desde o Descobrimento. O que se apurou foi uma crítica
geral aos “sistemas empregados em sua catequese e integração na sociedade
nacional”. E em que pese a Pombal, defendia-se o método utilizado pelos
Jesuítas com suas famosas Reduções..
A questão indígena recebe novo alento quando retornam os Capuchinhos
italianos, autorizados pelo Decreto Imperial de 21 de junho de 1843. Dois anos
mais tarde um outro Decreto estabelece normas a respeito das missões. Entre os
objetivos estavam: a instrução geral, o ensino das artes e ofícios, a defesa
dos índios, a fiscalização sobre os contratos de trabalhos. A doutrina cristã deveria
ser ministrada sem jamais se usar de violência.
Um estudioso da causa índia fez o seguinte comentário sobre a catequese
dos povos primitivos da colônia portuguesa do Atlântico Sul.
«Desde a expulsão dos
Jesuítas arrefecera-se sensivelmente o fervor missionário – para vergonha nossa
e de nossos dias – entre o clero brasileiro. Missionário para trabalhar entre
índios e populações caboclas abandonadas deviam ser encomendados do
estrangeiro. E os de fora, quando aqui chegavam, deixavam-se levar pela catequese
mais fácil e de resultados mais imediatos entre as populações sertanejas ou das
cidades... Deve-se, pois, admitir ter havido certo malogro das missões
religiosas, podendo-se considerar de alguma maneira providencial a
interferência laica organizada na República».
Uma excepção é o trabalho do padre Francisco das Chagas Lima entre os
puris da Serra da Mantiqueira e em Queluz, na fronteira com o Estado do Rio de
Janeiro.
A problemática indígena durante os primeiros 26 anos
da República (1889 – 1915)
Os missionários do humanismo positivista, instalados com a
República, não conseguiram, como alguns deles desejavam, sistematizar o
problema índio. A causa silvícola foi adiante impulsionada pela iniciativa
particular. Com este objetivo, doze anos após a Proclamação da República,
criou-se em S. Paulo uma Sociedade constituída por leigos e eclesiásticos.
Em 1908 Dom Frederico Costa toma posse da diocese de Manaus.
Preocupado em conhecer sua enorme região inicia em janeiro daquele mesmo ano
uma visita pastoral pelos territórios indígenas. O resultado de suas andanças,
cuja segunda etapa terminou em fins de novembro, foi a publicação de uma longa
Carta Pastoral de mais de duzentas páginas.
O bispo mostra uma grande sensibilidade para com a problemática índia,
apresenta novas idéias e chama a atenção da Igreja para a situação catequética
especial da região. Num desabafo corajoso, o bispo de Manaus investe contra o
ufanismo de muitos que acham viverem num país sem problemas e não enxergam a
situação dos genuínos brasileiros:
«Como brasileiro (sentimos o
abandono dos índios) porque isso é um opróbrio, uma ignomínia, uma aviltação,
uma vergonha para a nossa Pátria!....Quando há por aí homens que arrotam
civilização e progresso e ciência e ludibriam, em nome de tudo isso, aquilo que
temos de mais sacro, dir-se-ia que neste país já todos são sábios, não existem
mais analfabetos, todos andam em delícias, em puro ideal de uma sociedade
perfeita e, ao em vez, os genuínos brasileiros aí estão, como ferrete de ignomínia
na fronte da Nação, no estado degradante da pura vida selvagem, sem que a menos
se cogite de chamá-los ao grêmio da civilização...Vergonha!... – E esses homens
repelentes, inchados de orgulho, soprando por todos os poros palavrões com que
enganam os palpavos, ousam muitas vezes propor como meio de catequese e
civilização....o que?...A bala...Infames! Malditos de Deus e dos homens e dos
séculos por vir...».
A exterminação dos nativos era acintosamente defendida até mesmo pelos
gringos que aqui trabalhavam. Em artigo da revista do Museu Paulista, seu
diretor o alemão Hermann von Ihering, “justificava o extermínio dos índios
hostis que no Sul do País, não queriam ceder suas terras aos invasores
europeus, colonos recém-chegados sobretudo da Alemanha”.
Em 07 de setembro de 1910, o governo cria o Serviço de Proteção ao
Índio (SPI). À frente do novo órgão de assistência ao índio foi colocado o
oficial engenheiro Cândido Mariano da Silva Rondon.
A situação dos brasis é motivo de preocupação também por parte de Sua
Santidade, o Papa Pio X. Aos 07 de junho de 1912, o Antístite escreve a
Encíclica Lacrimabilis statu, abordando a mísera condição em que viviam
os silvícolas sul-americanos. O Brasil é particularmente citado, apela aos
bispos, afirma que a caridade deve ser praticada também com as obras. A Carta
pontifícia é um retrato da situação em que se encontravam os índios brasileiros
na época.
Na
realidade, o Brasil não foi uma excepção no relacionamento índios e invasores
brancos. Como em outras regiões do grande Continente americano também em nossa
terra, em alguns lugares mais que em outros, ocorreram as ferozes lutas e
hediondos massacres entre o europeu considerado civilizado... e o autóctone.
Na
época em que os salesianos chegaram ao Brasil, os maiores problemas estavam na
área do Oeste, em Mato Grosso. Na Amazônia, onde os missionários turineses
chegaram mais tarde, já não existiam tantas lutas sangrentas entre os caçadores
de índios e os locais. Por outro lado, a imensidão da floresta inóspita, húmida
e traiçoeira e a teia incomensurável dos rios da infinita bacia equatorial;
constituíam, de certo modo, um refúgio tranquilo aos conhecedores natos
daqueles confins.
No
Oeste as bandeiras paulistas, atraídas pelas minas de ouro, alcançaram Mato
Grosso, encontrando a resistência dos índios, entre eles os bororo,
os mais numerosos, rígidos e belicosos. Ocupando uma grande zona territorial,
travaram guerra contra o governo da Província de Mato Grosso. A paz veio
somente em 1887.
O
primeiro contato com este povo, que se estima vivesse na região, há pelo menos
sete mil anos(Wüst & Vierter),
aconteceu através dos jesuítas no séc. XVII, quando vindos de Belém chegaram ao
rios Araguaia, Taquari e S. Lourenço. Um segundo encontro com os brancos teria
sido no século seguinte, quando as bandeiras paulistas à busca do ouro
alcançaram a região de Cuiabá. Na época da exploração aurífera os bororo
passaram a serem conhecidos através de dois grupos: os bororo ocidentais
(bororo da campanha, ou bororo cabaçais) e os ocidentais (denominados também
“Coroados”). Tal foi a agressão sofrida pelos bororo ocidentais que já na
metade do séc. XX, foram considerados exterminados.
As
lutas ferozes tiveram início com o grupo oriental, no momento em que se iniciou
a construção de uma estrada através do vale do rio S. Lourenço. A via deveria
ligar os Estados de Mato Grosso, S. Paulo e Minas Gerais. A guerra que foi além
dos cinquenta anos terminou com a rendição dos milenares donos das terras do
Oeste oriental. Os salesianos chegaram a tempo, conseguindo livrá-los em parte
da dizimação.
“Pacificados”,
os vencidos foram aldeiados em Colônias militares como Teresa Cristina
(1886), iniciada pelo Governo de Mato Grosso e dirigida por soldados da
Polícia. Chegou a agrupar 1000 bororo. Outro agrupamento semelhante foi a
Colônia Isabel (1887). Na política dos brancos em relação ao índio, a prática
do aldeamento era um dos pontos importantes. O mesmo processo de aldeias
acontecerá no Pará.
Gastou-se
inutilmente muito dinheiro nas Colônias, enquanto a vida bororo tornou-se
sempre mais deprimente com os índios constantemente embriagados. Venceu a
astúcia espoliadora dos civilizadores, que consistia em aldeá-los
subtraindo-lhes a maior parte de suas terras. Quando já amalgamados com a
população civil, segundo achavam os colonizadores, deixavam
compulsoriamente as aldeias, recebendo alguns lotes de suas antigas terras para
nelas sobreviverem ou morrerem. O restante de suas imensas áreas terminavam com
os governos central, estadual ou municipal.
As
guerras índias no Oeste brasileiro lembram as lutas sanguinolentas, entre o
governo da Província de Buenos Aires, na Argentina e os araucânios de
Namuncurá, na Patagônia Setentrional e Central, ou ainda as conquistas
territoriais e morticínios entre os autóctones do Setentrião americano.
Vejamos
o que escreveu o historiador salesiano Antônio da Silva Ferreira, citando as
palavras do antropólogo alemão Karl von den Stein, a propósito da vida em
Teresa Cristina:
«Eis
o que foi a catequese: o índio, o oficial, o fornecedor, todos se enriqueciam o
mais que podiam[...] O dinheiro destinado aos indígenas só serviu para por fim
a esta magnífica matéria prima humana».