Quem é Jesus?
[Mc 8, 27-35. Lc 9, 18-22.]
P. Antenor de
Andrade
É de importância fundamental
sabermos quem é JESUS, sobretudo para nós Cristãos. Todo aquele que aborda
seriamente a vida, a própria existência tem este assunto como um dos pontos
centrais de suas reflexões. Marcos em seu Evangelho tentou resolver esta
indagação no oitavo dos dezesseis capítulos de sua narrativa.
Estamos ao Norte da Palestina,
na Galiléia. O Mestre se encontra nos arredores de Casaréia de Felipe[1],
local bastante povoado por pagãos. O texto de Marcos dá a entender que Jesus inicia sua caminhada em
direção a Jerusalém. Deste momento em diante começa a falar abertamente com
seus discípulos sobre seu destino e o papel de seus discípulos na terra.
Nosso
conhecimento de Cristo, não é como o de seus contemporâneos, que o viram
pessoalmente (cf 2Cor. 5,16), mas de Alguém que nos é apresentado pela Igreja,
ressuscitado, espiritual e não o pregador Galileu que caminhava pelas glebas da
Palestina. Não obstante, nossa fé não se baseia em fábulas, ou estórias para
embalar crianças simples e ingênuas.
Ela se alicerça na história, na Ressurreição que supõe a Encarnação, a
entrada de um Deus na história humana.
Como chegamos
a conhecer o Jesus que nasceu em Belém, viveu em Nazaré e aí pelos anos 30 de
nossa era foi morto em Jerusalém? Um homem tão importante que chegou mesmo a
mudar a história em Antes de Cristo e
Depois de Cristo?
Não podemos encontrar outra resposta a
esta pergunta a não ser nos
Evangelhos, tendo-se presente que eles “não
são uma crônica histórica de fatos, mas (são) obras religiosas”.
João ao
concluir seu livro diz:
«Jesus fez diante dos
discípulos muitos outros sinais, que não estão escrito neste livro. Estes,
porem foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus e
para que crendo tenhais a vida em seu nome»(Jo 20, 30, 31).
No epílogo de sua obra o mesmo Apóstolo ainda
sublinha:
«Este é o discípulo que deu
testemunho dessas coisas e que as escreveu. E nós sabemos que seu testemunho é
verdadeiro. Jesus fez ainda muitas outras coisas. Se fossem escritas uma por
uma, penso que não caberiam no mundo os livros que seriam escritos» (cf Jo 21,
24,25).
Os exegetas de
todas as correntes são unânimes em afirmarem que não é impossível descobrir nos
Evangelhos uma série de fatos e ocorrências que nos levam com bastante
segurança a concluir que eles aconteceram durante a vida terrena de Jesus. Essa
evidência vem sendo reforçada com a progresso da fé posterior aos Apóstolos.
Jesus de Nazaré, um profeta que falava com
autoridade
Uma das coisas que mais deixava boquiabertos os
ouvintes de Jesus era sua autoridade.
«As pessoas ficavam
admiradas com o seu ensinamento, porque Jesus ensinava como quem tinha
autoridade e não como os doutores da Lei» (Mc 1, 22).
Os profetas
anteriores ao Rabi Galileu
simplesmente comentavam as Escrituras ou repetiam ensinamentos já
proferidos por outros pregadores. Jesus falava em nome próprio, não comentava
simplesmente o Antigo Testamento como os doutores de seu tempo. Ele se colocava
acima da Escritura e até modificando-a ou aperfeiçoando-a. “Vocês ouviram o que foi dito aos antigos....
Eu porém vos digo...(Mt 5, 21-48).
Normalmente os
profetas começavam seus discursos com o refrão: “Assim fala Javé”...; ou “Diz o
Senhor”... A linguagem de Jesus é: “Eu vos digo”, ou “Em verdade, em verdade Eu
vos digo”.
Não existe
intermediário entre o Pai e Jesus como acontecia com os Patriarcas, Profetas e
Reis. Todas as situações, questões as mais ambíguas e inesperadas Ele as
resolvia. Ele está acima de Abraão, de Salomão, de Jonas. Ele “É o profeta
Jesus de Nazaré”. (Mt 21, 11). Ele é “Um dos profetas” (Mc 8, 28).
É conhecido como um Mestre
seguido por multidões, chamam-no também de Rabi. Ele mesmo assim se denomina,
observando que é o Rabi por excelência e não é como os demais mestres, é o
MESTRE. (cf. Mt 23, 10).
Uma maneira especial de falar
Não era só o que dizia que
inspirava autoridade, mas também o modo como falava. O encontro com Jesus era
sempre algo que fascinava, que mudava a vida das pessoas. Ninguém depois de
falar, de se encontrar com Ele permanecia o mesmo. Os demônios fugiam
apavorados, os paralíticos se levantavam, os mortos voltavam à vida, os
enfermos ficavam curados, as prostitutas mudavam de vida.
Os corações se abriam ou se fechavam.
Diante de sua personalidade, os interlocutores chegavam imediatamente à verdade
diante de Deus ou de si mesmos. Lia até mesmo os pensamentos. (Mt 9, 14). O
Homem de Nazaré contagiava, atraia pelo amor, pela autoridade.
Uma autoridade que não anulava a liberdade de ninguém
O respeito pelas pessoas
fazia com que elas permanecessem livres de acolherem ou não seu convite.
Exemplos entre tantos são o do jovem rico que saiu triste, mas não foi obrigado
a se desfazer de suas riquezas. (Mc 10, 22). O de Judas Iscariotes. Embora
Jesus conhecesse seus planos deixou que ele os conduzisse até ao fim. (Mt, 27,
5). Este Jesus continua ainda hoje oferecendo-nos essa liberdade.
O olhar e o silêncio de Jesus
O olhar e o silêncio eram um
outros aspectos do Senhor que eletrizavam e conquistavam as pessoas.
Impressionante o encontro com a Samaritana. No primeiro momento a mulher quis
fugir da abordagem e dirigir o diálogo, mas logo cedeu às intenções do Mestre.
O olhar amoroso do Galileu a cativou e mudou sua vida. (Jo 4, 6ss).
O silêncio de Jesus diante
de Pilatos agitou-o profundamente. (Mc 15, 15). Por outro lado, não foram as
inscrições na areia que afugentaram os que vieram acusar a mulher adúltera, mas
o silêncio de Cristo. (cf Jo 8, 2ss).
Nosso encontro com Jesus não
nos deixa indiferentes, naturalmente tomamos alguma posição. Sua presença causa
discussão, divisão, tomada de posição. É o que vemos em João quando no meio da
multidão se discutia se Ele era mesmo o Profeta ou o Messias. (Jo, 7, 40ss).
Quando os chefes dos sacerdotes e fariseus perguntaram aos guardas do Templo
por que eles não tinham prendido Jesus eles responderam: ninguém jamais falou como este homem. (Jo 7, 46).
O relacionamento de Jesus com o Pai
Os que seguiam o Homem de
Nazaré preocupavam-se também por saberem qual a origem da autoridade daquele
pregador que atraia multidões por todos os lugares por onde passava. Certa
feita discursando em Nazaré, sua terra,
seus coetâneos admirados perguntaram: De onde vem tudo isso? Onde foi que arranjou tanta sabedoria? E esses milagres que são realizados
pelas mãos dele? ( Mc 6, 1ss).
Em outra ocasião um grupo de sacerdotes e doutores da
Lei O submeteu a uma espécie de interrogatório nos seguintes termos: Com que autoridade fazes estas coisas? Quem te
deu autoridade para fazê-lo? (Mc, 11, 28).
A origem da autoridade de Jesus
A resposta à pergunta dos
sacerdotes e doutores da lei, segundo os Evangelhos vem do PAI. Um dos
momentos mais contundentes, em que
notamos esta verdade é quando Ele fala “com” o Pai, mais do que quando fala
“do” Pai. Seus momentos de oração
com o Pai são ocasiões em que notamos claramente sua intimidade com Ele.
Sobretudo nos momentos de maior contrariedade e sofrimento seu diálogo com Deus
torna-se algo de misterioso, incompreensível, como se fossem instantes de
transes para uma realidade espiritual que não alcançamos nem entendemos. O
Cristo nestas ocasiões transporta-se para outra dimensão que é impossível
acompanhá-Lo.
Momentos de profunda solidão
Momentos há na vivência
humana do Filho de Deus em que os Evangelhos nos mostram uma grande solidão e
tristeza. Ele tem pressa em que a vontade do Pai seja terminada, sua missão
seja logo cumprida.
“Eu vim trazer fogo à terra
e como gostaria que já estivesse aceso”! (Lc 12, 49). Depois do diálogo com a
Samaritana, os discípulos pedem que Ele coma alguma coisa. Eis sua resposta: “
Eu tenho um alimento para comer que vocês não conhecem.... o meu alimento é
fazer a vontade daquele que me enviou e realizar sua obra.” ( Jo 4, 31, 34).
Continuamente unido ao Pai
Nota-se frequentemente que Ele
vive em constante união com o Pai: Eu não
estou só, porque o Pai está comigo. ( Jo, 16,32). Por vezes, isolava-se dos
Apóstolos e sozinho nos montes recolhia-se em diálogo, passando ambos, noites
inteiras a sós. Gostaria de saber o que conversavam. (cf Mt 6, 12; 14, 23). Ele
e o Pai são Um. Ninguém conhece o Filho,
a não ser o Pai e ninguém conhece o Pai, a não ser o Filho e aquele a quem o
Filho quiser revelar (Mt 11,
27). Há por conseguinte entre Ele e o Pai algo de secreto, de misterioso.
“Algo” que só agora com sua presença entre os homens é revelado aos pequeninos
e escondido aos sábios. ( Lc 10, 21). Este segredo que muitos profetas e reis
desejaram ver tornará felizes os que o virem e ouvirem.
«Felizes os olhos que vêem
os que vos vedes, pois eu digo a vocês que muitos profetas e reis quiseram ver
o que vós vedes e não puderam ver. Quiseram ouvir o que vós ouvis e não puderam
ouvir». (Lc 10 23-24).
Seu modo de rezar
Os Apóstolos e discípulos ficavam impressionados quando O
viam rezar. Observavam uma profunda intimidade entre Ele e o Pai, um
relacionamento impar, irrepetível. Percebiam que não sabiam orar e por fim, pediram
que lhes ensinasse a rezar como Ele: Senhor,
ensina-nos a rezar. (Lc 11, 1).
Jesus chama a Deus de Abbá, isto é paizinho, paínho. Como as
crianças pedem algo ao paínho terreno, assim também nós devemos nos dirigir ao
nosso paizinho do Céu. Coisa impensável até então. Os discípulos, só entenderam
o significado da expressão Abbá, após
a Páscoa, quando lembrando aquela palavra, concluíram realmente que Deus era
seu Pai. Até mesmo os adversários chegaram a concluir escandalizados que Ele
via em Deus seu Pai, fazendo-se igual a Ele. (cf Jo 5, 18).
Os episódios do Batismo, de
Pedro em Cesaréia de Felipe, da Transfiguração, da Ressurreição, entre outros,
são atestados eloqüentes de que o homem Jesus, o Messias era realmente o Filho
de Deus.
Conclusão
Concluindo esta reflexão
sobre o “rosto humano de Jesus” cito as palavras do pregador Frei Raniero
Cantalamessa em um de seus sermões.
« Jesus, durante sua
existência terrena aparece como um homem dotado de uma extraordinária autoridade.
Alguém que mantém com Deus um relacionamento jamais imaginado pelos homens.
Alguém que opera milagres e se sente enviado por Deus para cumprir uma missão, (uma
missão) que diz respeito a todos os homens, atingindo o nível mais profundo do
próprio destino: aquele relacionado com Deus».
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[1] Cesaréia de Filipe ao Sudoeste do monte Hermon. Ao
morrer Herodes, o Grande, a cidade ficou nas mãos de seu filho, Herodes
Filipe. Este a ampliou e embelezou, chamando-a de Cesaréia de Filipe, para
agradar ao imperador Tibério César, e distingui-la
da outra Cesaréia, a capital romana na Judéia.
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