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quinta-feira, 27 de setembro de 2012

P. Lorenzo Giordano - IV


De Pombal ao Ipiranga (1759 a 1822)

P. Antenor de Andrade

É o período que se inicia com outra expulsão dos filhos de Santo Inácio pelo Marquês de Pombal e termina com a proclamação da Independência. Na época diversas foram as diretrizes seguidas pela política indigenista. As figuras principais de então foram o Marquês de Pombal e D. João VI.
Em 19 de maio de 1759, o Diretório indígena que até então servia para o Pará e o Maranhão foi estendido a toda a Colônia. Nele se reconhecia abertamente que os missionários tinham sido incapazes de cristianizar e civilizar os índios. Estes deveriam ser legalmente emancipados, os Jesuítas expulsos do Brasil e os demais missionários afastados da administração temporal relativa à catequese.
Segundo Pombal, Ministro de Dom José Primeiro, os povos indígenas não eram confiáveis, representando uma constante ameaça ao Estado português. Trabalhando sobre esta premissa, todo aquele que fosse defensor dos índios, tornava-se ipso facto, inimigo de Portugal e sua política. Foi assim que considerados perigosos, os padres jesuítas foram novamente banidos da América em 1759. Primeiro da América portuguesa, anos depois das Colônias espanholas.

«Para o Brasil e em especial para a Amazônia, foi o início de uma grande noite [faz lembrar a noite dos dez séculos da Idade Média.]. Os colégios dirigidos pelos padres foram fechados; as aldeias, com o tempo, foram abandonadas ou se tornaram cidades. No lugar dos jesuítas foram nomeados funcionários do governo, que exploravam os indígenas e violentavam suas mulheres»[1].

A ojeriza dos invasores e predadores contra os nativos americanos foi tamanha que chegaram incrivelmente a impor uma política de terra arrasada na grande Colônia dos trópicos.

«Para não conservar a lembrança das antigas culturas, as aldeias receberam nomes de cidades portuguesas, como Santarém, Barcelos, Bragança, Ourém, Alenquer e outras. As línguas indígenas foram proibidas e o português tornou-se língua oficial. Nessa época a língua geral, ou nheengatu, sistematizada pelos jesuítas e muito usada na Amazônia e no Sul do Brasil, foi proibida e considerada língua de selvagens e de povos atrasados»[2].

As consequências desta política foram altamente perniciosas para os habitantes locais. Despreparados preparados para viveram na situação artificial em que foram forçosamente colocados, tornaram-se fácil e rapidamente presa da ganância dos colonos, que de há muito cobiçavam o patrimônio do gentio.
A catequese dos índios, quase completamente abandonados, continuará com a pregação tradicional, através do trabalho denodado dos Capuchinhos italianos.

Do Ipiranga ao Império - 1822 a 1889

Os anos iniciais do Governo do Príncipe Regente, D. Pedro I, caracterizaram-se por uma política de verdadeira caça às bruxas: a do extermínio dos índios que não se dobrassem ao regime.
A catequese, afirmamos anteriormente, durante os cem anos de ausência jesuítica foi posta a cargo dos Capuchinhos. No entanto, com a abdicação de D. Pedro I (1831), os valorosos frades passaram também eles a serem atingidos pelo veneno xenófobo dos senhores da maçonaria. Um decreto de 25 de agosto daquele ano, proibiu-lhes o exercício do ministério.
A catequese exercida pelos religiosos homens consagrados, vocacionados e excepcionais, quanto à dedicação à causa foi substituída pela leiga. À frente das aldeias foram colocadas pessoas impreparadas, sem vocação e carisma, muitas interessados apenas nos dividendos fáceis. Não era difícil prever-se um retumbante fracasso com as mais desastrosas consequências para os aborígenes. Os homens em seus humildes hábitos de capucha ou burel foram chamados de volta.
José Bonifácio preocupou-se pela integração física do país continental que nascia. Achava o Patriarca que para consolidação do Império brasileiro era de suma importância a integração dos brasis, que povoavam seu território.
A empresa envolvia enormes dificuldades. Em seus Apontamentos para a civilização dos Índios bravos do Império do Brasil, por ele apresentados ao Parlamento (01/06/1823), escreve:

«A causa destas dificuldades nasce do estado miserável em que se encontram os índios e do modo desumano com que, sucessivamente, Portugueses e Brasileiros os temos maltratado, e continuamos a fazê-lo ainda que com intenções de domesticá-los e torná-los felizes»[3].

A Constituinte do Império recebeu (12/12/1823) os Apontamentos do Patriarca da Independência, mas pouco se incomodou com a problemática indígena, assunto que na prática foi entregue às Províncias.
Governador de Mato Grosso e antigo estudante do Seminário de Mariana e da Faculdade de Direito de S. Paulo, José Vieira Couto de Magalhães (1837 – 1898) foi um dos leigos que melhor entendeu e formulou a política indigenista imperial. Para ele o Brasil não podia repetir com seus índios o mesmo de outras regiões americanas, onde se gastavam somas enormes com poucos resultados. A solução também não estaria no massacre dos aborígenes.
Entre os objetivos de sua política indigenista estavam a integração ao território nacional de grandes áreas que praticamente já eram reconhecidas pelo direito internacional; a preparação de quase mil trabalhadores para as fazendas, extracção de minérios, madeira, transportes. Uma das idéias era a integração das bacias fluviais platina e amazônica. Militar que era, Couto de Magalhães não esquecia a possibilidade que os silvícola poderiam ser os guardiães das fronteiras nacionais.
Por solicitação de D. Pedro I (1826) as autoridades civis e eclesiásticas provinciais organizaram um levantamento sobre a caminhada catequética indígena desde o Descobrimento. O que se apurou foi uma crítica geral aos “sistemas empregados em sua catequese e integração na sociedade nacional”. E em que pese a Pombal, defendia-se o método utilizado pelos Jesuítas com suas famosas Reduções..
A questão indígena recebe novo alento quando retornam os Capuchinhos italianos, autorizados pelo Decreto Imperial de 21 de junho de 1843. Dois anos mais tarde um outro Decreto estabelece normas a respeito das missões. Entre os objetivos estavam: a instrução geral, o ensino das artes e ofícios, a defesa dos índios, a fiscalização sobre os contratos de trabalhos. A doutrina cristã deveria ser ministrada sem jamais se usar de violência.
Um estudioso da causa índia fez o seguinte comentário sobre a catequese dos povos primitivos da colônia portuguesa do Atlântico Sul.

«Desde a expulsão dos Jesuítas arrefecera-se sensivelmente o fervor missionário – para vergonha nossa e de nossos dias – entre o clero brasileiro. Missionário para trabalhar entre índios e populações caboclas abandonadas deviam ser encomendados do estrangeiro. E os de fora, quando aqui chegavam, deixavam-se levar pela catequese mais fácil e de resultados mais imediatos entre as populações sertanejas ou das cidades... Deve-se, pois, admitir ter havido certo malogro das missões religiosas, podendo-se considerar de alguma maneira providencial a interferência laica organizada na República»[4].

Uma excepção é o trabalho do padre Francisco das Chagas Lima entre os puris da Serra da Mantiqueira e em Queluz, na fronteira com o Estado do Rio de Janeiro.

A problemática indígena durante os primeiros 26 anos da República (1889 – 1915)

Os missionários do humanismo positivista, instalados com a República, não conseguiram, como alguns deles desejavam, sistematizar o problema índio. A causa silvícola foi adiante impulsionada pela iniciativa particular. Com este objetivo, doze anos após a Proclamação da República, criou-se em S. Paulo uma Sociedade constituída por leigos e eclesiásticos.[5]
Em 1908 Dom Frederico Costa toma posse da diocese de Manaus[6]. Preocupado em conhecer sua enorme região inicia em janeiro daquele mesmo ano uma visita pastoral pelos territórios indígenas. O resultado de suas andanças, cuja segunda etapa terminou em fins de novembro, foi a publicação de uma longa Carta Pastoral de mais de duzentas páginas.
O bispo mostra uma grande sensibilidade para com a problemática índia, apresenta novas idéias e chama a atenção da Igreja para a situação catequética especial da região. Num desabafo corajoso, o bispo de Manaus investe contra o ufanismo de muitos que acham viverem num país sem problemas e não enxergam a situação dos genuínos brasileiros:

«Como brasileiro (sentimos o abandono dos índios) porque isso é um opróbrio, uma ignomínia, uma aviltação, uma vergonha para a nossa Pátria!....Quando há por aí homens que arrotam civilização e progresso e ciência e ludibriam, em nome de tudo isso, aquilo que temos de mais sacro, dir-se-ia que neste país já todos são sábios, não existem mais analfabetos, todos andam em delícias, em puro ideal de uma sociedade perfeita e, ao em vez, os genuínos brasileiros aí estão, como ferrete de ignomínia na fronte da Nação, no estado degradante da pura vida selvagem, sem que a menos se cogite de chamá-los ao grêmio da civilização...Vergonha!... – E esses homens repelentes, inchados de orgulho, soprando por todos os poros palavrões com que enganam os palpavos, ousam muitas vezes propor como meio de catequese e civilização....o que?...A bala...Infames! Malditos de Deus e dos homens e dos séculos por vir...»[7].

A exterminação dos nativos era acintosamente defendida até mesmo pelos gringos que aqui trabalhavam. Em artigo da revista do Museu Paulista, seu diretor o alemão Hermann von Ihering, “justificava o extermínio dos índios hostis que no Sul do País, não queriam ceder suas terras aos invasores europeus, colonos recém-chegados sobretudo da Alemanha”[8].
Em 07 de setembro de 1910, o governo cria o Serviço de Proteção ao Índio (SPI). À frente do novo órgão de assistência ao índio foi colocado o oficial engenheiro Cândido Mariano da Silva Rondon.
A situação dos brasis é motivo de preocupação também por parte de Sua Santidade, o Papa Pio X. Aos 07 de junho de 1912, o Antístite escreve a Encíclica Lacrimabilis statu, abordando a mísera condição em que viviam os silvícolas sul-americanos. O Brasil é particularmente citado, apela aos bispos, afirma que a caridade deve ser praticada também com as obras. A Carta pontifícia é um retrato da situação em que se encontravam os índios brasileiros na época.
Na realidade, o Brasil não foi uma excepção no relacionamento índios e invasores brancos. Como em outras regiões do grande Continente americano também em nossa terra, em alguns lugares mais que em outros, ocorreram as ferozes lutas e hediondos massacres entre o europeu considerado civilizado... e o autóctone.
Na época em que os salesianos chegaram ao Brasil, os maiores problemas estavam na área do Oeste, em Mato Grosso. Na Amazônia, onde os missionários turineses chegaram mais tarde, já não existiam tantas lutas sangrentas entre os caçadores de índios e os locais. Por outro lado, a imensidão da floresta inóspita, húmida e traiçoeira e a teia incomensurável dos rios da infinita bacia equatorial; constituíam, de certo modo, um refúgio tranquilo aos conhecedores natos daqueles confins.
No Oeste as bandeiras paulistas, atraídas pelas minas de ouro, alcançaram Mato Grosso, encontrando a resistência dos índios, entre eles os bororo[9], os mais numerosos, rígidos e belicosos. Ocupando uma grande zona territorial, travaram guerra contra o governo da Província de Mato Grosso. A paz veio somente em 1887.
O primeiro contato com este povo, que se estima vivesse na região, há pelo menos sete mil anos(Wüst & Vierter)[10], aconteceu através dos jesuítas no séc. XVII, quando vindos de Belém chegaram ao rios Araguaia, Taquari e S. Lourenço. Um segundo encontro com os brancos teria sido no século seguinte, quando as bandeiras paulistas à busca do ouro alcançaram a região de Cuiabá. Na época da exploração aurífera os bororo passaram a serem conhecidos através de dois grupos: os bororo ocidentais (bororo da campanha, ou bororo cabaçais) e os ocidentais (denominados também “Coroados”). Tal foi a agressão sofrida pelos bororo ocidentais que já na metade do séc. XX, foram considerados exterminados.
As lutas ferozes tiveram início com o grupo oriental, no momento em que se iniciou a construção de uma estrada através do vale do rio S. Lourenço. A via deveria ligar os Estados de Mato Grosso, S. Paulo e Minas Gerais. A guerra que foi além dos cinquenta anos terminou com a rendição dos milenares donos das terras do Oeste oriental. Os salesianos chegaram a tempo, conseguindo livrá-los em parte da dizimação.
“Pacificados”, os vencidos foram aldeiados em Colônias militares como Teresa Cristina[11] (1886), iniciada pelo Governo de Mato Grosso e dirigida por soldados da Polícia. Chegou a agrupar 1000 bororo. Outro agrupamento semelhante foi a Colônia Isabel (1887). Na política dos brancos em relação ao índio, a prática do aldeamento era um dos pontos importantes. O mesmo processo de aldeias acontecerá no Pará.
Gastou-se inutilmente muito dinheiro nas Colônias, enquanto a vida bororo tornou-se sempre mais deprimente com os índios constantemente embriagados. Venceu a astúcia espoliadora dos civilizadores, que consistia em aldeá-los subtraindo-lhes a maior parte de suas terras. Quando já amalgamados com a população civil, segundo achavam os colonizadores, deixavam compulsoriamente as aldeias, recebendo alguns lotes de suas antigas terras para nelas sobreviverem ou morrerem. O restante de suas imensas áreas terminavam com os governos central, estadual ou municipal.
As guerras índias no Oeste brasileiro lembram as lutas sanguinolentas, entre o governo da Província de Buenos Aires, na Argentina e os araucânios de Namuncurá, na Patagônia Setentrional e Central, ou ainda as conquistas territoriais e morticínios entre os autóctones do Setentrião americano.
Vejamos o que escreveu o historiador salesiano Antônio da Silva Ferreira, citando as palavras do antropólogo alemão Karl von den Stein, a propósito da vida em Teresa Cristina:

«Eis o que foi a catequese: o índio, o oficial, o fornecedor, todos se enriqueciam o mais que podiam[...] O dinheiro destinado aos indígenas só serviu para por fim a esta magnífica matéria prima humana»[12].




[1] Centro de ..., [CÉSAR]…, A penetração na Amazônia, Cap. 18, p 119.
[2] Idem. …….., pp 119.
[3] Centro de…, CÉSAR, Catequese/75, p 44.
[4] Idem, …, p 47.
[5] Sociedade de Etnografia e Civilização dos índios. Compunha-se de 335 sócios, dos quais 49 eclesiásticos.
[6] Criada pelo Papa Leão XIII em 27 de abril de 1892, desmembrada de Belém do Pará.
[7] Centro de…, CÉSAR, Catequese/75, p 50.
[8] Idem, p 49.
[9] Bororo significa “pátio da aldeia”. Em forma circular apresenta um amplo pátio ao cento, palco e espaço ritual do povo bororo.
[10] http/:www.socioambiental.org/website/pib/epi/bororo/bororo.htm
[11] Na segunda expedição dos Salesianos a Mato Grosso em 1895, Dom  Lasagna aceitou a direção da Colônia Teresa Cristina (RSS 21 (1992) 169 – 220). Deixaram-na em 1898, iniciando novas Colônias entre os bororo (Colônia do S. Coração em 1901; Colônia da Imaculada Conceição em 1905; Colônia S. José em 1906.
[12]  LASAGNA, Epistolário..., Vol III, LAS – ROMA 2000, p. 20.

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